A Catedral do Dia Depois de Amanhã
Por Pastor Adauto Rezende
Em 1977, Ron, Joan Morin junto das filhas Cristina e Carolyn Morin deixaram o Canadá, rumo a um país muito distante de sua terra natal. O casal missionário sentiu um chamado divino para ir ao Brasil, que na época enfrentava uma grande crise socioeconômica. A população do país era cerca de 110 milhões. Muitos cidadãos sobreviviam com um salário mínimo de C$ 1.106,40[1] (cerca de $70 dólares). A inflação era de 46,27% ao ano, tornando a sobrevivência ainda mais difícil para a maioria dos brasileiros.
Chegaram a São Gonçalo do Pará, em Minas Gerais, em 1978. Foi um grande desafio para a família. Eles tiveram que enfrentar uma nova cultura, uma língua desconhecida, mudança na condição social e climática – o norte de Minas e a Bahia são regiões muito quentes. Nesta época, inúmeras crianças brasileiras sofriam com várias doenças, desnutrição e violência doméstica. Havia também uma alta taxa de desemprego e alcoolismo, tornando a vida muito mais difícil para eles.
Os missionários canadenses, por simples definição, deixaram uma terra de abundância para viver na escassez; trocaram o luxo pelo essencial.
No entanto, eles sabiam em seus corações que, mesmo em meio de tantas trevas espirituais, Deus os havia enviado para pregar o evangelho na maior nação sul-americana. Em muitos anos servindo ao Senhor no Brasil, Ron já plantou várias igrejas em Minas Gerais e na Bahia. Discipulou muitos jovens, compartilhando o evangelho com milhares por meio de cultos ao ar livre e transmissões de rádio, estabeleceu uma escola bíblica em Salvador, capital da Bahia, abençoando milhares.
Uma história incrível
Conheci o pastor Ron há quase trinta anos, e durante esses anos tive o privilégio de visitar algumas igrejas da Bahia. Recentemente, viajei de São Paulo para Salvador para passar alguns dias com ele e pregar nas congregações do estado. Enquanto dirigíamos para o sul, ele compartilhou um testemunho de Maria José, uma senhora de sessenta anos, que se tornou cristã em 1978 por meio de seu ministério, na primeira igreja apostólica de São Gonçalo, Minas Gerais.
Maria morava a três quilômetros das dependências da igreja. Sua casa era um quartinho de pau a pique (construído com bambus e barro), sem energia elétrica, nem saneamento básico. Ela não era apenas pobre; como também tinha lepra. Seus pés, eram consumidos pela doença.
Todos os domingos, durante os primeiros dois anos de sua conversão, ela comparecia fielmente aos cultos, juntando-se a outros crentes. Ela caminhava pela estrada de terra e pedregosa com os pés envoltos em trapos. Num domingo, o pastor notou sua ausência e logo foi vê-la. Ela o recebeu em sua cabana e compartilhou com ele sobre sua doença. Dias antes, ela havia cortado um dos pés em vidro, e ainda estava com um pedaço dentro do pé. Além disso, não tinha pano para envolver o pé; portanto, ficou impossibilitada de ir à igreja como de costume.
A narrativa do Ron sobre o incidente é a seguinte: "Após cuidar de suas necessidades imediatas, descobri que havia outra senhora com lepra que morava por perto, como também outras duas famílias que eu havia visitado anteriormente no bairro."
Compreendendo suas dificuldades, decidi construir um local de culto próximo deles. Procurei um fazendeiro, que morava na região, e ele me deu alguns bambus-gigantes, que eu mesmo tive que cortar e, com eles, construímos o local, cobrindo-o com sapê. Na época, o evangelista Rex Humbard tinha uma igreja chamada "Catedral do Amanhã"[2], e pensei em chamar nossa pequena capela de "Catedral do Dia Depois de Amanhã". Nossos cultos eram realizados à noite e, como não havia eletricidade, colocava uma pequena lamparina a querosene em cima da minha Bíblia para ler. Como resultado, as páginas ficaram manchadas, porém, meu coração se alegrou em compartilhar o evangelho com aquele grupo de cristãos famintos por ouvir a palavra de Deus. As pessoas eram muito simples, mas amavam Jesus e sempre sentíamos a presença do Senhor naquele pequeno santuário.””
Fiquei tão inspirado após ouvir o testemunho que pedi sua permissão para tornar pública a linda e inspiradora história. Para minha surpresa, um dia depois, o pastor encontrou a foto da igreja em seu computador e me enviou. Eu queria entender o que poderíamos aprender com a história da “catedral do dia depois de amanhã” e cheguei à conclusão que havia muitas lições da narrativa:
1. O comportamento do pastor Morin demonstra um tremendo amor por Jesus. O Senhor disse: "E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”[1]
2. Foi um incrível ato de fé provado pelos esforços do missionário a fim de servir aquela comunidade, independentemente dos obstáculos. O Senhor derramou tanto amor no coração dele pelo povo, que nada poderia separar aquela pequena congregação do amor de Jesus. Não havia obstáculos para frustrar a designação divina, nem doença, finanças, cansaço, tijolos, telhas, eletricidade, nem qualquer outra coisa, pois, como o apóstolo Paulo, Ron estava dizendo: “Posso fazer tudo por meio daquele que me fortalece."[2]
3. Mostrava uma marca especial de um verdadeiro missionário: a ação! Sabemos que os recursos financeiros são importantes; no entanto, em muitas circunstâncias, eles não são essenciais. Posso imaginar alguém nessa situação tirando fotos de Maria José e das cabanas da vila, fazendo um projeto com custos de construção e enviando cartas a dezenas de apoiadores solicitando doações. Provavelmente, quando os fundos chegassem, a fé do grupo havia desvanecido. O Pastor viu que os recursos para construir o lugar não estavam a quilômetros de distância; não custava milhares de dólares, mas apenas alguns bambus e sape de um fazendeiro próximo. Existem situações no campo missionário que não podem esperar; não há tempo a perder. É tudo ou nada! Ou executa o projeto, ou ele morre. Há uma audácia divina para agir porque a ordem de Jesus é sair rapidamente pelas ruas e becos da cidade e trazer os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos”.[3]
4. O verdadeiro missionário sabe que uma crise é uma ocasião para um milagre. Considere a multidão faminta no meio de um deserto. Jesus perguntou a Filipe, um dos doze apóstolos: "Onde compraremos pão para esta gente comer?"[4] O discípulo cético respondeu: "Seria preciso mais de meio ano de salário para comprar pão suficiente para cada um comer!"[5] A passagem afirma que Jesus perguntou isso apenas para testá-lo, pois ele já tinha em mente o que iria fazer.[6] André ouviu a conversa e interveio: "Aqui está um menino com cinco pães de cevada e dois peixinhos, mas até onde eles irão entre tantos?"[7]
Concluimos no dilema do missionário desafios semelhantes. Estava num lugar pobre com um grupo de pessoas necessitadas. Como Jesus, ele teve compaixão e não quis mandá-las embora vazios. Onde ele poderia encontrar finanças para ajudá-las? No entanto, o Senhor mostrou-lhe um fazendeiro que tinha bambus para parede e sape para o telhado. Isto era tudo que precisava ouvir. O missionário sabia que Jesus estava ali para fazer o milagre, e poder servir Maria José e os outros. Ele só tinha que confiar e agir! Foi exatamente que fez. A narrativa do evangelho conclui: "Todos comeram e ficaram satisfeitos, e os discípulos recolheram doze cestos cheios de pedaços que sobraram."[10] Da mesma forma, o pastor Morin, das sobras de São Gonçalo do Pará, recolheu "cestas" cheias de convertidos em outras cidades e no estado da Bahia.
A Ele toda a glória!
[1] http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro70.htm
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/Cathedral_of_Tomorrow
[3] Matthew 25: 40
[4] Philippians 4: 13
[5] Luke 14: 21
[6] John 6: 5
[7] John 6: 7
[8] John 6: 6
[9] John 6: 9
[10] Matthew 14: 20